sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Veraneio à moda antiga

Venho confirmando na pele as teses sobre nossa constante busca pelo que nos fez feliz na infância. Não sei se elas comprovam que com o andar dos anos esse comportamento se acentua, mas sei que hoje identifico claramente o quanto minhas escolhas passam por esse canal, uma espécie de procura pelo túnel do tempo. Busco o gosto, os cheiros, as trilhas sonoras, mais e mais imagens que me permitam embarcar nessa viagem de volta àquelas primeiras e tão significativas sensações de prazer. Todas tão simples, mas às vezes tão inacessíveis, que parecem ter sido abocanhadas por aquele buraco negro que nos distancia do que fomos, e ainda somos, na essência. Observo o mesmo movimento em minha mãe, que passando dos 80, infla-se de entusiasmo a cada reencontro com alguma experiência da sua meninice.
Deixei essa voz falar bem alto para escolher o rumo de nossas pequenas férias e foi fácil encontrar o caminho que atendesse nossas expectativas. Depois de tantos anos, estava definido que o veraneio seria em Tramandaí, praia a pouco mais de 100 quilômetros daqui. Só essa comodidade já valia a escolha, nos convencemos ao lembrar da Via Crucis dos turistas em direção a Santa Catarina, percurso percorrido inúmeras vezes em tantos verões. - Estamos ficando velhos - outra constatação para aumentar os cabelos brancos... (rs) Mas com certeza a intenção maior era outra: reviver, nem que em pequenas doses, os veraneios lá da década de 60 e 70. A própria palavra "veraneio", tão em desuso depois que "férias" ganhou charme e status,  já carrega consigo o ar vintage tão sonhado e, para o clima se instalar melhor ainda , faltava um cenário à altura. Encontrei num chalé (amo!) cor de rosa quase à beira mar. Amor ao primeiro clique num site de locação. E foi pra lá que nos mudamos, com mala e cuia, em busca do tempo perdido.
O clima retrô logo se instalou, ainda que a casa não seja antiga, mas pelos detalhes na construção e pelos objetos logo percebidos pela lente da alma à caça de imagens do que viveu lá atrás. O liquidificador caiu nas minhas graças, mais ainda depois que acertei um bolo de banana improvisado.
E, como nunca é diferente, me diverti inventando moda naquela pequena cozinha emprestada, reunindo ingredientes que tinha à mão, num "seja lá o que Deus quiser" próprio das férias A mousse de limão que o diga! Troca creme de leite por nata, espreme os dois únicos limões até a última gota, bate as claras em neve no braço e reza. E não é que deu certo!
Mas teve também a participação do filho, que numa rápida passadinha, também não conseguiu ficar de todo longe das panelas. No cenário do camping dos amigos que tanto bem me faz e tantas saudades me trazem, bruschetas para aplacar a fome da turma servidas pela "partner" do chef, menina querida que me eleva à condição de sogra.
E para mimá-los, bolinhos de chuva para comer quentinho depois da sesta. Tem matriz mais afetiva da infância? Junto, adoçando a cena, lembranças daquele menino pequeno rente ao fogão, surdo aos meus avisos de perigo com o óleo quente, já sinalizando que seria esse seu universo provedor de alegrias.
Desafiei a chama quase de vela do fogão, sina que parece se repetir nas casas de  praia que abrigam o descarte das casas da cidade,  para preparar peixe  à doré com molho de camarão. O cardápio praiano seguindo as tradições antigas não poderia pular esse capítulo. Valeu a paciência.
A sacola com lãs pulou na bagagem na última hora. Mentirinha, jamais esqueceria de algo para ocupar as mãos viciadas em trabalho manual. O crochê é uma das técnicas mais fáceis de se carregar de um lado pro outro e também para distrair em peças pequenas, rápidas. Olho a foto e faço um "remember" de cenas semelhantes pela vida afora. Desde menina, compenso com tudo que tenho direito o impedimento de curtir as delícias do mar (e tantas outras), em função das sequelas da pólio, com o prazer de explorar as manualidades e suas infinitas possibilidades. Em habitat diferente, essa curtição é dobrada.
E se os olhos alcançam a praia, a curtição é muitas vezes multiplicada.



Explorar o terreno é outro treinamento gostoso que parece ter nascido comigo. Agradeço esse olhar apurado que reconhece à distância uma florzinha diferente, um passarinho estranho, uma nuvem original, uma pedrinha que parece uma tartaruga... Com essa maravilhosa invenção da máquina digital, que nos permite clicar tudo e mais um pouco, a brincadeira está quase virando vício.


Flores azuis e liláses são raras - observa minha mãe encantada com os buquezinhos na janela. Sim, é genético, que bom!

Vício que exige malabarismos com a "xereta" de tão poucos recursos, mas reclamar de quê quando há poucos verões o filme fotográfico de 36 poses era um luxo que precisava render muito? E antes disso, a única foto das férias era aquela feita pelo fotógrafo na beira da praia, de tanto valor que permanece resguardada por mais de 50 anos na caixa dos melhores momentos?   
Abraço a tranquilidade do fim de tarde no litoral gaúcho, incomparável às belezas paradisíacas catarinenses,  com certa estranheza. Logo ali na frente, uma semana após, compreendo o que realmente buscávamos no veraneio à moda antiga: 
vida molinha, pontuada de pequenas alegrias, como assistir de longe esse trio de vó, neto e neta emprestada a caminho do mar, com muita, muita paz.
Paz e saúde que celebro com forças redobradas e coração apertado nessa semana povoada pela dor de quem perdeu a vida e dos que perderam o chão e a capacidade de sonhar. 
Que o Pai do Céu ampare. Amém!