quarta-feira, 7 de março de 2012

Às sereias que passam por aqui

Divido com vocês, amigas todas, o lindo presente recebido de uma amiga-mestra que poetiza minha vida como só ela sabe fazer. Que o auto-retrato do feminino ilumine nosso dia de significado e beleza.

SEREIAS AO LONGE
Uma rosa e uma espada. Uma faca afiada para cortar a couve bem fininha e construir morrinhos de tirinhas verdes. Manteiga na frigideira. Cheiro na casa. Café recém-passado. Cheiro de sexta-feira, casa faxinada. Langeri preta. Rendas. E perfume na nuca, nos pulsos. Cabelos lavados, escovados, depilação. De novo, cabelos tratados e pele do corpo e das mãos. E carinho primeiro, de leve e palavras pequenas, doces, amenas. E choro de criança, vômitos e febre e o romance que espera e o abraço que se interrompe e as gotinhas para febre. E o medo na madrugada e o colo e o consolo que roubou, por direito, e urgência, o momento do gozo.
E as roupas no varal esquecidas, os chamados insistentes e o nome repetido, gritado, sussurrado. Ritmo, pulsar, rotinas, aceleramentos. E o tempo que não pede licença vai costurando, alinhavando, bordando, remendando retalhos preciosos que não podem ser desprezados, ficam aguardando à espera de um novo tempo para que se organizem e estruturem em lençóis, toalhas, tapetes, curativos e bandeiras de oração.
Amanhecer, anoitecer, domingos e quintas-feiras. Recados, saudade, carências, dúvidas e dívidas. Desassossegos. Apaixonamentos. Críticas. Superproteção. Exageros. Destempero. Aquietamentos. A sala, o sofá, pipocas e cobertor, sorvete e ventilador. Telefones, horários, dever. Que esperem! Me abraça, me beija, me escuta, me repita, sussurre, escreva, grite, surpreenda-me. Um bilhete, um doce, a pasta na escova de dentes, a fatia de pão cortada. Um desenho, sou eu? Essa de cabelos tão crespos? Tá lindo, querido. Sim, o tema, os recortes, não tem cola?, perdemos a tesoura. Onde ficou a lancheira? Não chegou, foi dormir na amiga, com o amigo? Como assim? Claro que vou dar um jeito, deixa comigo, sim eu posso, empresto, conserto, depois eu vejo, já vou!, tudo bem, tudo bem, vai passar...
Não ligou, vai ligar? Sim, ainda me amas? Ah! O espelho do elevador, do provador não merecem crédito. Só os olhos dos amados capturam a imagem desejada.
Uma estrela, meia lua, lápis-de-cor, papel de seda, esmalte azul, tinta vermelha para o cabelo, uma bolsa berinjela, rosa pink no batom.
Caminhar, correr. Andar de bicicleta. Dançar. Recortar bandeirinhas de São João, dinossauros e bichos-papões. Fadas e princesas, super-heróis, enrolar os brigadeiros e dormir no hospital.
Um banho por favor, chinelos velhos, bermudas soltas, um chimarrão, silêncio por intervalo. Quietude. Meditação. Um mantra para repetir. Um terço para rezar, uma música para guardar. Vida que se transmuta e se alquimiza e se desenrola num caleidoscópio mágico e de infinitas nuances e tons.
Fui menina, inocente; jovem, formosa. Fiquei velha e esperta. Não combato cataventos. Sou do mar. Mergulho fundo com a bênção do poeta que tem Rosa por sobrenome.
Eis os versos abissais: “As sete sereias do longe: si mesmo, o céu, a felicidade, a aventura, o longo atalho chamado poesia e a saudade sem objeto.”


(Marli Blankenheim)

Amém!

Um comentário:

Ivani disse...

texto maravilhoso, envolvente, repleto de poesias e verdades.
descricao mais do que realista do que significa ser mulher.
sua amiga escreve magicamente, adorei!
e voce, como vai?
e a mae, tudo correndo bem?
beijos queridona, tenha um lindo fim de semana.