quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Banheiro florido

Dias fechados os últimos por aqui, mas o perfume das laranjeiras do quintal que se espraia casa adentro é animador. A primavera se insinua, doce, provocando vontades adormecidas, devolvendo cores intensas à natureza e, aos humanos, uma aura de esperança, mesmo que velada ou inconsciente. Será Perséfone bailando na sua volta à luz, estendendo a mão a nos convidar para entrar na dança? Sigo outros passos, mas também ritualísticos, afinal, acredito que tudo em que se põe a mão com atenção e intenção tem lá seu pezinho na magia. E a magia nesse final de agosto tem sido a de alegrar também a casa, meio emburrada depois de meses hibernando. Então, uma das providências foi recauchutar o penduricalho de vasinhos do banheiro, trocando a fita e as flores. Seu aspecto desbotado e empoeirado há tempos incomodava, mas gosto por demais dele para passá-lo adiante. Aproveitei o desmonte e a nova montagem para fotografar e mostrar aqui sua "logística".
Usei 4 vasos de cerâmica bem pequenos, mas a ideia pode ser adaptada para modelos um pouco maiores. Cortei um pedaço de fita, dei dois nós na ponta e passei uma conta grande, maior do que o furinho do vaso.
Repeti o nó e a pedrinha, deixando uma boa distância entre um vasinho e outro, cuidando para que o espaço fosse o mesmo.
Colei florzinhas que sequei em casa, como sempre-vivas, lavandas, hortênsias trazidas da serra, até umas miúdas e redondas como pompom que enfeitaram a mesa nesse jantarzinho histórico aqui.
E assim que voltaram ao seu posto ao lado do espelho, vejam só quem veio lhes fazer companhia?
A kokeshi-pinça, presente fofo da amiga Jane, que com jeitinho de deusa sapeca contribui junto com o móbile repaginado para renovar o astral da peça (e o da sua dona, bonequeira por natureza, também).
Uma sexta-feira aquecida de belos projetos para o fim de semana a todos!

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Unidos pelo pão

Seu João, pai emprestado, ama enlouquecidamente fazer pão e venera sua máquina panificadora como uma entidade a quem se refere como um ser animado, parecendo ser dotada até de alma, tamanha a intimidade com que a trata. É mesmo do seu feitio adotar quem de alguma maneira fala a seu coração, como as pombas da praça, com quem se comunica através de um apito especial, com o qual as chama para as refeições na sua sacada. Com as formigas o papo é outro, mais de perto. Agachado, observa seus movimentos e relata com minúcias como elas se comportam e relacionam entre si, não podendo faltar também uma merendinha, um torrãozinho de açúcar, para alegrá-las.
Dono de uma vitalidade que dá um olé na sua idade, é um homem do lar, com todos os predicados que o posto exige: cozinha, lava, varre, tira pó e, o que mais lhe diverte, faz as compras diariamente em muitos vaivéns ao mercado, açougue, padaria, fruteira, aproveitando para abastecer também a despensa das vizinhas idosas com dificuldades de locomoção. O dia é curto para seu João, que levanta cedo e tem as horas preenchidas por essas tantas tarefas que lhe asseguram noites bem dormidas e a manutenção de sua saúde integral. A receita, hoje tão difundida, de manter a mente e o corpo ocupados para desfrutar de uma velhice saudável, seu João conhece desde cedo na prática, e é praticando sua sabedoria que garante seu contagiante prazer de viver.

Nas últimas semanas, uma novidade vem colocando fermento em seu entusiasmo culinário, e como a vida às vezes imita a sétima arte, assisto de camarote seu João incorporado de Julie Powell, imbuído tal a personagem do livro/filme do propósito de reproduzir um número X de receitas. Receitas de quê? Ora, o que poderia lhe desafiar dessa forma: pães!
Mas essa é uma história que teve suas primeiras cenas há alguns meses, num encontro rápido e certeiro, como costumamos ver nas telonas: amor à primeira vista. Aquecido pela notícia da vinda da amiga Laély ao Sul, nosso padeiro prontamente se escalou para preparar o pão do café de boa-vindas à minha hóspede. Caprichou ao máximo, e agradou em cheio a visita que adora pão caseiro. Dias depois, quando se encontraram, o papo dos dois feras em panificação já estava rascunhado: pão pra cá, pão pra lá, em pouco mais de uma horinha, os dois tinham traçado uma cumplicidade que só as grandes afinidades são capazes de justificar. E estava oficializada nova adoção no coração do seu João. Desde então, não passa semana sem que ele me pergunte: - E a guria lá de longe, quando volta? Ou faça profecia: - Ainda ganho na sorte grande e vamos ir todos lá na terra da guria! E foi a guria, mestra em levedar afeto, quem gerou o desenrolar do roteiro, presenteando o "velho" amigo de longe com o livro sobre pães, hoje sua maior relíquia, ao lado, é claro, da máquina venerada.
O almoço histórico que apresentou a dupla apaixonada em colocar a mão na massa, os quatro sorrisos revelando o contentamento pelo encontro
A missão logo passou a ser cumprida: testar as 72 receitas! E como tenho o mérito de ser a agente desse encontro, fui instituída como a degustadora dos pães que chegam ainda morninhos. Meu papel (de tamanho sacríficio...rs) também é o de relatar a experiência à Laély, conferindo uma espécie de nota a cada novo tipo de pão que vai saindo da máquina, sim, porque as receitas são próprias para a sua modernidade. Desde sábado, quando um pão branquinho e aerado (primeira foto) chegou aqui pelas mãos apressadas do seu João, e me desmanchei em elogios entre uma bocada e outra, outras ideias fermentam na sua cabecinha branca, mas isso é surpresa que corro o risco de perder o cargo de provadora se "der com a língua nos dentes".

No primeiro teste, um pão meio bolo, perfumado de laranja, para acompanhar o chimarrão do padeiro colorado

Se Julie encontrou novos e melhores rumos, internos e externos, na maratona gastronômica guiada pelo livro de Julia Child, seu João me relembra da necessidade de estarmos abertos para que os presentes, todos - alguns em forma de gente, outros embalados pela natureza, outros projetados pelas infinitas manifestações da beleza - cumpram sua missão: a de nos privilegiar com abençoados momentos de comunhão. A deles, deliciosamente sacramentada pela alegria da multiplicação dos pães. A minha, pela oportunidade valiosa de aprender com eles a promover milagres (e a fazer pães, habilidade culinária onde sou um zero à esquerda).

"Levei muito tempo para entender isso, mas o que realmente me atraiu no livro MtAoFC foi o aroma profundamente entranhado de esperança e descoberta da realização contido nele. Eu achava que eu usava o Livro para aprender a preparar comida francesa, mas na verdade eu aprendia a descobrir a porta secreta das possibilidades." (Julie Powell)

Atualizando - O comentário da Cecília, do Quilts são Eternos, chega para enriquecer o tema: "Tudo o que você contou serve para justificar ainda mais a origem etimológica da palavra `companheiro´: aquele que divide o pão com o outro". Não é lindo?! Gosto mais ainda agora da expressão sabendo da sua raiz. Obrigada, mestra das palavras!